Soberania das mulheres, território desrespeitado pelo patriarcado. Dizemos não! A pauta é feminista.
À medida que o debate sobre direitos e violência se aprofunda na sociedade atual, se amplifica a reflexão sobre os vários contextos que estruturam a vida das mulheres pelo mundo. Quando a violência masculina é universal, pode-se afirmar que as vítimas dessa violência são também universais, também enquanto mulheres que se fazem na luta cotidiana contra essas violências, seres de corpos semelhantes e que vivenciam processos concretos semelhantes na relação com o mundo, marcadas pela simbolização que o patriarcado realiza desses corpos. Há milênios e de forma ampla em culturas e nações, o corpo feminino vem sendo alvo do ódio de homens.
Gerações de mulheres e meninas estigmatizadas por menstruarem, proibidas de acessarem espaços coletivos, ou obstaculizadas devido à falta de acesso a recursos de higiene, vem sendo retiradas de locais onde poderiam ter se desenvolvido na relação coletiva e contribuído para a construção pública de ideias.
Incontáveis meninas e mulheres submetidas à mutilação de sua genitália, carregando para sempre sequelas dessa violência física e mental, com problemas de saúde em cadeia para o resto de suas vidas.
Infinitas gerações de meninas e mulheres vitimizadas pela violência sexual vinda de homens. Vítimas bebês, crianças, adolescentes, adultas, idosas. O acesso violento ao corpo feminino tem sido pilar fundamental do patriarcado, cometido em todos os espaços da sociedade, por homens da família ou desconhecidos. Não tem havido limite para a perversidade.
A violência obstétrica que humilha e ataca mulheres em momento de concentração e vulnerabilidade, a hora do parto. O homem que é profissional da saúde e que nesse momento tenta se apropriar dessa celebração da vida tão importante e delicada, transformando-a em vivência de dor e medo.
Mulheres utilizadas enquanto fábrica de pessoas, destinadas à mão de obra dos sistemas de exploração ou então líderes de classes altas. Por outro lado, mulheres esterilizadas sem consentimento.
A exploração do trabalho doméstico e de cuidados, trabalhos que fornecem a base para que todas as pessoas possam trabalhar na sociedade e apesar disso, não são remunerados e têm sido desvalorizados.
A pouca ou nenhuma participação de mulheres nos espaços da política formal ao longo da história, em processos violentos em que homens persistem na tentativa de impedir o acesso de parte da população a esses importantes espaços coletivos e as decisões plurais que daí podem vir.
A perseguição a mulheres que amam mulheres e o reforço constante da lesbofobia. Homens pregam que apenas eles podem amar-se entre si, em uma cultura do apoio homoafetivo irrestrito, reconhecimento entre pares do sexo masculino, amizades-amores incondicionais que isolam espaços de tomada de decisão do resto da sociedade e que estabelecem fortes barreiras ao acesso. A homoafetividade masculina pune o amor entre mulheres.
As remunerações mais baixas para mulheres que realizam o mesmo trabalho que homens, na mais pura declaração de misoginia.
A imposição de vestimentas e comportamentos que impedem a mobilidade e o acesso pleno aos espaços coletivos que exigem bom deslocamento, impedindo a assertividade, traço tão importante para a vida em sociedade. Pensamentos patriarcais que tentam transformar mulheres em aparentes vitrines ou então interditam a possibilidade de desenvolvimento pessoal, como em contextos de desumanização de mulheres, submetidas por invasores e sequestradores, como foi o caso das inúmeras invasões territoriais pelo mundo ao longo da história, gerando dualidades entre mulheres de distintos povos.
O patriarcado reconhece mulheres, o grupo alvo de sua exploração, dominação e violência. O corpo feminino, identificado enquanto tal, imediatamente destinado ao abuso, à vulnerabilidade social, à invasão, à desqualificação enquanto ser que merece privacidade e ao mesmo tempo reconhecimento público, mas não os obtém nesse sistema de interdição da vida coletiva plena.
As pautas são feministas para sociedades sem violência. É preciso:
1) Proporcionalidade na política;
2) Desmantelamento das redes de violência sexual digital contra meninas e mulheres;
3) Valorização das mulheres como sujeitos políticos e cidadãs, com direitos políticos e sociais efetivados;
4) Remuneração do trabalho doméstico, aposentadoria doméstica e implementação da divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres;
5) Proibição da obrigatoriedade de uniformes de trabalho e estéticas que dificultem a movimentação e a respiração de mulheres ou que causem qualquer tipo de desconforto físico ou emocional e que sejam desnecessárias, tais como: calçados do tipo salto alto; calças, blusas, ternos ou qualquer roupa justa e que marque os contornos do corpo; roupas com transparência; roupas com tecidos que coçam, gerem excessivo calor ou excessivo frio; roupas que exponham partes íntimas; maquiagem; remoção de qualquer tipo de pelo; entre outros;
6) Proibição do pagamento de diferentes salários para homens e mulheres que exercem a mesma função;
7) Proibição de políticas em empresas que exigem as mesmas tarefas para homens e mulheres em cargos diferentes, sendo estes cargos remunerados com valores diferentes;
8) Obrigatoriedade de creche em todos os locais de trabalho onde mulheres e homens possam deixar filhos e filhas pequenas durante o período de trabalho;
9) Policiamento comunitário nas ruas, transporte público, terminais de ônibus, trens e metrôs, rodoviárias e aeroportos e todos os equipamentos públicos existentes – entre 04h30 e 00h – que garanta segurança a mulheres e meninas transeuntes em situações como: a constante ameaça de estupro; importunação sexual no transporte público; ameaças e violências físicas partindo de homens; e todas as situações que necessitem de proteção ou mediação por parte de forças de segurança comunitária;
10) Obrigatoriedade de médicas ginecologistas mulheres em todos os postos de saúde, clínicas e hospitais públicos e privados e emergências para todas as pacientes que optarem por serem atendidas por profissionais mulheres.
11) Obrigatoriedade de técnicas na área de saúde em todos os postos de saúde, clínicas e hospitais públicos e privados e emergências para todas as pacientes que optarem por ter exames realizados por profissionais mulheres;
12) Estabelecimento de protocolos de atendimento a vítimas de profissionais da saúde em todos os estabelecimentos de saúde, sendo estes protocolos afixados em locais visíveis do estabelecimento, incluindo as salas de atendimento, salas de exames, salas de cirurgias e salas de parto. Os protocolos devem incluir acolhimento imediato das vítimas de profissionais da saúde, incluindo o direito à acolhimento com privacidade e encaminhamento para a delegacia da mulher de forma segura, além de procedimentos que responsabilizem e acompanhem a responsabilização de agressores ou agressoras;
13) Obrigatoriedade de campanhas pelo fim da violência médica contra mulheres em hospitais, clínicas e postos de saúde, com cartazes afixados em locais visíveis, incluindo as salas de atendimento, salas de exames, salas de cirurgias e salas de parto. Os informes devem incluir orientações a profissionais de saúde e pacientes sobre o que é e o que não é adequado ou autorizado a ser realizado durante consultas, exames e procedimentos;
14) Implementação de políticas de acompanhamento de mulheres que são casadas ou que moram com homens no mesmo espaço com o objetivo de prevenção do feminicídio;
15) Implementação de políticas de acompanhamento de todas as crianças com o objetivo de assegurarem que não estão sendo vítimas de violência ou exploração sexual dentro ou fora de seus espaços familiares;
16) Desmantelamento de todas as redes de difusão de imagens de intimidades gravadas e divulgadas sem consentimento, vendidas ou distribuídas em meios digitais ou analógicos, em especial na internet, local atual de grande cometimento desse tipo de crime;
17) Políticas de proteção às mulheres em espaços privados dentro de espaços públicos e coletivos, tais como: banheiros, vestiários, hospedagens em hotéis e outros, com o objetivo de rastrear câmeras espiãs que gravam ilegalmente imagens de sua intimidade;
18) Políticas efetivas de combate à lesbofobia e o lesbocídio e responsabilização dos autores das violências;
19) Políticas efetivas de combate ao feminicídio e responsabilização dos autores das violências;
20) Políticas efetivas de combate à cultura do estupro; indenização de todas as mulheres já vitimadas pela violência sexual; pelo fim da prescrição do crime de violência sexual;
21) Por políticas que promovam a dignidade menstrual.
E outras tantas pautas. Urgentes, nos fazemos na luta. Mulheres transformam-se em território de luta à medida que atualizam a construção da liberdade.
Daniela Alvares Beskow
09/03/2024