Terroristas (agressores, violadores) são os outros
Agressores são os outros, de outras famílias, outros círculos de amizades, lideranças de outros movimentos sociais. Violadores são os outros, de outros bairros, outras cidades, outros meios sociais. Terroristas são os outros, de outros países, outras culturas, outros idiomas.
Agressores não moram na minha casa, não são meus vizinhos. Violadores não são meus conhecidos ou amigos dos meus amigos. Terroristas não lideram o meu país, não ditam regras no território onde habito.
Meu vizinho que humilha mulheres, o outro, que violenta fisicamente a esposa não são agressores. Meu tio que estuprou minha prima quando criança não é um violador. O presidente do meu país que envia mísseis para bombardear inocentes em outros países não é um terrorista. O primeiro-ministro do meu Estado que assassina quase duas mil crianças de outra população não é terrorista.
A dinâmica posta de interpretações e expressões de concordância, discordância ou apoio não é balizada pela avaliação dos fatos e parâmetros entendidos coletivamente, debatidos e confrontados frente a acordos conceituais e éticos. Ao contrário, é resultado simplesmente do reforço às estruturas de proximidade e benefícios. Apoia-se quem é amigo e critica-se aquele que está distante da rede estabelecida de troca de vantagens. Amigos que praticam atos agressores ou terroristas não são considerados violadores. Pior, não-amigos que não praticam ações agressoras ou terroristas podem vir a ser considerados como tal. Tudo depende das circunstâncias e da conveniência, tanto aquela em manter agressores (ou agressoras) próximos, como aquela em manter não agressores (ou não agressoras) distantes. O primeiro, por manter a constância de benefícios, o segundo, por garantir o afastamento em função de seu potencial de desestabilizar a estrutura de ganhos.
Tudo gira em torno das garantias que cada grupo ou pessoa em questão terá ao manter próximas ou distantes determinado elemento. Não se trata de valores comuns, acordos, regras, mas de seguranças individuais ou coletivas mantidas a qualquer custo. O custo de isolar mulheres de espaços de sociabilidade devido à aceitação da presença sem questionamento de agressores cotidianos, o custo de retirar vítimas de violência sexual de espaços familiares enquanto se acolhe parentes estupradores, o custo de apoiar líderes terroristas que dizimam populações. A opção pela não contestação gera um contexto que intensifica os custos da violência pagos pelas vítimas e garante aos apoiadores da violência, benefícios individuais ou coletivos – o que se supõe ser de si próprio, seu direito ou sua certeza. Não há problema em o outro ser destruído, contanto que este esteja ou seja mantido longe, dificultando a reavaliação por parte das pessoas ao redor, sobre o ato de violência cometido. Apoiadores da violência optam por evitar a reflexão sobre a violência contra o outro. Até que esta – o outra – violência os acometa. É quando a lógica de interpretação se altera.
Parte significativa das pessoas não se importa com vítimas a não ser que as vítimas sejam suas amigas ou elas próprias. Enquanto as vítimas estiverem suficientemente longe – fisicamente ou emocionalmente –, seguiremos testemunhando interpretações que afirmam que “os seus” são sempre pessoas do bem, merecedoras de proteção, sejam quais forem suas ações. Agressores, violadores e terroristas de estimação. Que seguem violentando, violando pessoas individualmente ou chegando a extremos difíceis de elaborar em palavras ao dizimar populações. Violadores de estimação, próximos, mas estrategicamente distantes o suficiente para nublar a interpretação ancorada na defesa da autoperpetuação e na manutenção de benefícios acima de qualquer coisa.
Texto curto da seção Breves de autoria de Daniela Alvares Beskow, escritora e cientista política
26 de outubro de 2023
Palavra e Meia Semanal
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